AMIGOS
POEMINHA PRO MARQUINHO
Chico de Assis
Poetas mineiros
a gente encontra
nos bares.
Não vão olhar a vida
mas levar ali uns versos.
Poeta mineiro
não tira verso da vida,
ao contrário; plantam
na realidade cotidiana
seus delírios.
Chegam, cercados de
bois e burros invisíveis
e mais: pepitas de ouro
sujas de terra negra;
fantasmas familiares
de avós de colete e
relógio de corrente.
Poetas mineiros
a gente topa
entre um gole e outro
de bebida forte
no limite da noite
e a madrugada.
Eles vêm com os bolsos
empanturrados de palavras
ainda por inventar.
Calmos e precisos
largam nas mesas
pedaços de frases
melancólicas, como iscas
de pescar lágrimas.
Poeta mineiro
não vende seus versos
pelo dinheiro do mundo.
Trocam.
Breganham verso por susto
estrofe por causo
poema por vida
imediata
Poetas mineiros
só escrevem
versos que não usam mais
Os úteis, reservam
como munição
para batalhas íntimas
de tertúlias
para o gozo da
farândola
para a rosa de espuma
que deixa a cerveja
na boca da noite.
Poeta mineiro
não altissona
a beleza do verso
mas, silencia
o grito
e esculpe o verbo
na cacunda de um boi de pedra.
(1984)
O TOMBO DO CHICO
Marcos Resende
Chico de Assis em noite de ousadia
Caiu de moto e machucou a mão.
Entra no "Elias" - e, por terapia,
grita mil ciclos. Fica rouco em vão.
Senta-se à mesa junto à confraria;
tenta outra coisa: gelo. Que ilusão!
De mão inchada, volta no outro dia.
Radiografado, traz a solução.
"Foi o escafóide, ossinho misterioso,
que, contundido, afeta a lucidez,
e me deixou ainda mais zureta."
Em consequência, Chico, autor famoso,
Com 4 letras vira "punk" inglês,
E, noutro tombo, cai da "caixa preta".
(1984)
A TALAGADA
Chico de Assis
Ele chegou, esfregando as mãos como que para esquentar. Ergueu o dedão pra cima e o dedinho pra baixo, na direção do português do botequim. Português bateu no balcão o copinho como um martelo e ágil derramou até um pouco acima da linha de dose uma cachaça transparente. O trabalhador deu três ou quatro voltas no copinho e depois soltou e deu um passo para trás. Com um gesto largo e um sorriso ofereceu a todos no botequim. Daí enlaçou o copinho com três dedos da mão direita, espichou o pescoço como se oferecesse ao carrasco. Colocou a palma da mão esquerda sobre o peito e num brusco movimento levou a cabeça para trás bebendo a talagada. Bateu o copinho como um martelo na volta. Meteu a mão no bolso e pagou. Passou as costas da mão sobre os lábios. Fez um cumprimento geral e se foi esfregando as mãos.
AS MÃOS DE FELIPE
(Para Felipe Donovan)
Erguendo a mão direita, em gesto intempestivo,
Felipe canta um tango e silencia o mundo!
Cantor malabarista, mano a mano vivo,
Felipe é exclusivista; um bardo furibundo!
E pobre do infeliz que, por qualquer motivo,
Intrometer no tango o seu grasnar imundo!:
Felipe, fulminando o incauto patativo,
fuzila-o com a mão, num desdenhar profundo.
E nós que, por destino, somos o auditório,
E temos que escutá-lo - e sempre embevecidos! -
rogamos que ele, ao menos, mude o repertório!
Que sorte não vigorem credos esquecidos
que amputam do culpado o membro vexatório!:
um, perderia a mão! Os outros, os ouvidos! (1982)
LIRISMO PURO
(Cícero Acayaba)
A beleza é um gesto longo de caminho
que nunca vai chegar, um caminho humilde,
com poucas árvores, alguns pássaros, violetas
e uma criança de cabelos louros onde o sol se apaga.
A beleza é a rua pobre e a minha tarde,
Cadeiras nas portas, velhos e casas cochilando,
às vezes um assobio que vem do outro lado do mundo,
ou o vento que pede uma rosa, que pede uma rosa que pede...
Me deixem ser lírico, me deixem ser puro
ao menos pra olhar em silêncio a moça da janela
que é triste assim porque espera ninguém.
Não importa o tempo, sei que tudo é frágil.
os caminhos naufragam na poeira,
mas a beleza é meu pão de cada dia.